Thursday, November 8, 2007

Deus

A apatia é um estado da alma. A apatia é um estado da alma. Um dos muitos, pelos quais passamos nas mudanças de estações da nossa alma. Sendo um dos estados de energia mínima, podemos dizer caso não o contrariemos, o processo natural da sucessão dos acontecimentos diários acabará por nos levar lá, quanto mais não seja, depois de um dia de trabalho extenuante, cansativo, ou de uma tarefa mais exigente, ao fim dos quais sempre gostamos de uma pausa, do merecido "descanso do guerreiro". Nesta pausa, que não só é natural como também necessária, ou adeptos do sofá deliciam-se com uns minutos de 'relaxa'; os fãs da televisão 'desligam' o pensamento crítico, expondo o seu cérebro a toneladas de informação que não vão processar muito conscientemente; outros há que conversam, lêem, praticam desporto, tomam um banho relaxante, entre miríades de outras possibilidades - umas mais saudáveis, outras menos. Mas se o descanso é necessário para recobrar forças, o render da vontade, e a entrega à apatia, é uma escolha que fazemos de forma mais ou menos consciente, e que resulta numa pausa no viver. Num estágio inicial, os tempos em que baixamos os braços, abandonando os desafios do viver, levam-nos a tempos de ócio, ... e o ócio é terreno fértil para muitas ervas daninhas. Há medida que nos distanciamos cada vez mais dos ritmos naturais do nosso organismo e da natureza entregando--nos a um activismo frenético, e que escolhemos as nossas carreiras tendo em vista principalmente a contrapartida monetária e não a inclinação natural do nosso ser, em suma, há medida que r.J entregamos à escravidão do ter e ::■ fazer, cada vez mais ficam J dependentes de elevadas doses z-M adrenalina, cafeína, e outras "-inas 1 para uma funcionamento normal. E ~M ausência das quais, fica um vazio, ia desinteresse generalizado, u~ insensibilidade e uma indiferença aJ acontecimentos, uma falta de interessa ou de desejos. Numa palavra, chegar J à apatia. E aí, estamos desmobilizada desvitalizados, vazios da energia indispensável para contrapor e produto! movimentos. Neste estado, ficamos vulneráveis m interesses e desejos súbitos, que -a deserto em que nos encontramos! parecem mananciais que não podem J desperdiçar. Mesmo que comprometa» muito daquilo que somos... O episódio mais trágico da vida ca David, um dos maiores reis de Israel. J que teve repercussões trágicas na sH família ao longo do restante do se a reinado, começou num tempo em que o habitualmente criativo e enérgica homem "segundo o coração de Deus"I estava "apaticamente ocioso". "No tempo em que os reis saem para -J a guerra, ..." (em 1000 a.C, as guerra paravam durante a época das chuvas! David não lhe apeteceu assumir as su =■ funções. Como rei, mandou alguém! substituí-lo no comando do exército:! enquanto ele ficava talvez a descanso mais um pouco. Esta decisão aparentemente inofensiva, expô-los j alguns riscos inimagináveis para homem com a verticalidade de carácter que havia mostrado até então. Porque nesse dia à tarde, quando se levantou . sesta, ao passear pelo terraço -lembremo-nos que o castelo estava no topo do monte, estando as casas construídas em torno dele pela encosta abaixo - viu uma mulher que estava a tomar banho, no terraço da sua casa. Como não tinha nada para fazer mesmo, assistiu deliciado ao espectáculo até ao fim. E como rei, David tinha a esta altura algumas esposas, e se mais quisesse, mais poderia ter. Devido ao torpor em que o seu espírito crítico se encontrava, nem quando soube que aquela mulher era esposa de Urias, um dos guerreiros mais valentes do seu exército, um homem que prontamente dava a vida por ele, se refreou. Passar do desejo ao acto foi um ápice, e para encobrir o seu acto acabou por provocar a morte 'acidental' de Urias no campo de batalha. Este acontecimento está na base de uma sucessão de catástrofes na sua vida familiar e no seu reinado, que até então era irrepreensível. Um dos filhos de David, abusa de uma meia irmã, o que acaba por lhe custar a vida - o irmão dela vingou-se da afronta. Esse mesmo filho foi inclinando o coração do povo a si ao longo de anos, culminando a sua acção num assalto ao poder, tendo David que fugir para não ser morto. Essa revolta acabou por conduzir à morte de seu filho, e David reassumiu então o trono. Recapitulando, a apatia e o ócio a que esta tantas vezes conduz custaram muito caro a David: o seu carácter publicamente irrepreensível foi manchado, a harmonia da sua família quebrada, a estabilidade de seu reino abalada, perdeu dois filhos e a sua vida esteve por um fio. E a nós, o que nos faz a apatia? Será que não nos deixa disponíveis e predispostos para reflexões pouco saudáveis, onde questionamos o que não deve ser questionado? Sim, porque apesar de ser um adepto da dúvida (não a céptica, do duvidar por duvidar), pois é um motor para novas descobertas, a dúvida misturada com a melancolia que caracteriza a apatia, produz maioritariamente um cocktail depressivo. E há melhores alturas e melhores estados de espírito para questionar os pilares da nossa existência! ... Quando estamos com a cabeça em ordem, por exemplo... Será que a apatia não nos conduz também a decisões e a acções precipitadas? Diminuindo a nossa capacidade de pensar criticamente e adormecidos os reflexos, tornamo-nos descuidados... Por exemplo, conduzir apaticamente, pode redundar facilmente num acidente. Ver televisão ou cinema apaticamente, deixa a sua marca e mais tarde damos connosco a tomar decisões com base em necessidades (por exemplo, o consumismo) que foram produzidas em nós. Esta é mesmo a razão pela qual as mensagens subliminares começam a ser sujeitas a legislação, por atentarem contra a liberdade da pessoa. E será que não andam muitos David por aí, que por se precipitarem num momento de apatia e ócio, tentam remediar os erros com outros erros, criando uma bola de neve que só pára quando acaba com eles, destruindo tudo o que mais precioso há nas nossas vidas? Para encerrar a reflexão, podemos recorrer a uma frase de Arnold Tonybee, historiador britânico do século XIX: "A apatia é o penúltimo estágio da decadência", pois quando pessoas ou sociedades deixam de se importar e se resignam, começa uma lenta mas infalível trajectória rumo à degradação. Contra a apatia, paixão, produtividade - agir em vez de reagir, e equilíbrio -todos os excessos cansam. Autor do Artigo; Álvaro Ladeira

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